A semana que começou turbulenta, felizmente com temperaturas mais elevadas, gerou uma euforia atípica entre os cidadãos berlinenses. Um sentimento de aflição e de desconforto é facilmente percebido no rosto de cada um sentado no U-Bahn pois, no final das contas, quem realmente sabe ao certo quando o frio estará de volta?
Em meio a esta intrigante cena, vejo-me sentado em uma sala de aula da Die Neue Schule trabalhando e desenvolvendo habilidades linguísticas que serão muito bem empregadas no dia-a-dia alemão. No meio das janelas suadas e ao som de ventiladores barulhentos, ouço uma pergunta que mudou o sentido do meu dia.
Antes de mudar para Berlim, você sabia realmente do que você gostava de fazer?
Fiquei alguns segundos trocando olhares com a alemã séria de coração bondoso e pensando friamente notei que eu não sabia de fato do que eu realmente gostava naquela época. Eu achava e era convicto de que sim, mas agora tenho a clara imagem de que nada sabia.
Meus finais de semana eram extremamente corridos tentando agradar a todos ao meu redor, aos quais precisava dar a atenção, uma vez que estava atarefado ao extremo nos dias úteis. Uma visão deturbada do modo de desfrutar o parque resumia-se a 3 ou 4 voltas correndo no Ibirapuera para que desse tempo de encontrar alguns amigos, dos quais 2 ou 3 mais tarde acabariam por inventar uma desculpa para não ir ao bar.
Claro, se chovesse ninguém sairia de casa. Se estivesse frio, ninguém se reuniria. Se fosse aniversário de alguém, muitos não cruzariam a cidade para celebrar. E todas essas desculpas e falhas de comunicação são estranhamente suprimidas pelas longas e entediantes conversas de Whatsapp.
O filme que veio à cabeça neste momento em que trocava olhares com a professora foi tão intenso que minha rotina atual em Berlim começou a preencher estas lacunas e vácuos que existiam antes na minha vida.
De repente me vejo trabalhando muito novamente. Mas desta vez em Berlim. Desta vez com a perspectiva de que não demorarei 2 horas de transito para chegar em casa. Percebo também que os novos amigos ao meu redor não desmarcam os encontros, mesmo havendo uma nevasca lá fora. Que o tempo que fico no parque não é só para correr, mas também para sentar e conversar com as pessoas. Que eu não tenho medo de cruzar a cidade de ônibus durante a noite numa terça-feira. Que eu gosto de jogar tênis de mesa. Que minha cerveja favorita é a Pale Ale, e aí por diante.
A pergunta desta professora me fez entender o quanto a minha percepção da vida mudou e não tenho dúvidas que isto veio a partir da minha vinda para Berlim. Esta mudança é construída lentamente e é preciso ser forte em muitos momentos. Muitos mesmo. E tudo isso é tão gratificante quando você percebe que sabe de fato do que você gosta e do que te faz realmente feliz.
E hoje eu sei que o que me faz feliz é: Berlim (Ich liebe dich!)